POLÍTICA, ECONOMIA E SOCIEDADE
(Continuação)
(Continuação)
Jorge Gonçalves Guimarães
3. EconomiaEm termos económicos, a agricultura era, nesta altura, a principal actividade. Dada a desproporção entre a produção, sobretudo cerealífera, e o consumo(1) , que constituiu a principal preocupação dos pensadores económicos e dos políticos, foi, desde cedo, necessário o recurso à importação de cereais, prática que nos anos de guerra, devido em última análise às dificuldades de transporte, conheceu algumas dificuldades que fizeram com que algumas cidades conhecessem a ameaça da fome, sendo certo que a este facto também não foram alheias as más colheitas. No pós-guerra os governos chegaram mesmo a importar cereais que eram vendidos aos panificadores a preço inferior ao de custo.
Assim, vários foram os economistas e os políticos que, sobretudo depois da guerra, se debruçaram sobre a questão da agricultura, reconhecendo todos que a necessidade de aumento da produção e da fixação da população nos campos passava por uma reflexão em torno do regime de propriedade (2) . De entre todos salienta-se Ezequiel de Campos que, durante o governo de José Domingues dos Santos (1925), apresentou, embora não tenha chegado à discussão parlamentar, um projecto de reforma agrária em que era proposta a expropriação de terrenos incultos para que se constituíssem em propriedades familiares que pudessem suprir à sua subsistência desafogada (3) . Contudo nenhum dos governos da Primeira República conseguiu pôr em prática um projecto de reforma agrária, pelo que nem o regime de propriedade nem a produtividade agrícola sofreram qualquer alteração.
A carestia de vida, que tinha sido um importante tema da propaganda republicana e tinha convocado a adesão das classes médias e operárias, foi outra das “batalhas” perdidas. A nova moeda nunca foi estável e a inflação foi, ao longo de todo este período, uma constante, assumindo durante a guerra proporções até então nunca vistas.
As crises internacionais também afectavam o sector financeiro, de tal forma que foram várias as falências bancárias que se registaram nos cinco anos que antecederam o 28 de Maio, muito embora uma boa parte desses bancos tenha surgido das actividades especulativas associadas à guerra. Esta situação levou o governo de José Domingues dos Santos a publicar uma lei de reestruturação do sector bancário que motivou a oposição dos partidos da direita e da alta burguesia. É neste contexto que se enquadra o caso da falsificação das notas de 500$00 de Alves dos Reis, que, apesar de tudo, contribuiu mais para o desprestígio do regime do que para afectar a estrutura financeira do país.
Gradualmente as classes operárias e as classes médias, não vendo melhoradas as suas condições de vida ou goradas as suas expectativas vão-se divorciando do regime republicano para engrossarem os grupos socialistas e anarquistas. Por outro lado, a alta burguesia agrícola, industrial, comercial e financeira, sentindo necessidade de se unir, fundara, em 1924, a União dos Interesses Económicos (4) que, em linhas gerais, reclama contra a política tributária, o excessivo estatismo da economia e a falta de proteccionismo da indústria e da agricultura, ao mesmo tempo que propugna um papel mais activo dos interesses patronais na definição das decisões em matéria fiscal, e uma conciliação entre o trabalho e o capital que anunciava já a doutrina corporativa do Estado Novo.
As relações entre o governo e as oposições partidárias ou classistas agravaram-se ainda mais com a chamada “Questão dos Tabacos” (5). Esta questão assumiu tal importância que na Seara Nova, num texto do nº89 de 27/V/26, intitulado «A Crise Política», se escrevia o seguinte: «Parece-nos bem claro o desenlace de semanas seguidas de esterilidade tumultuosa num parlamento já com péssimas tradições: prepara-se, inglória e lastimosamente, mais uma revolução ou pronunciamento, venha da esquerda, da direita, dos partidos ou do exército. Se o governo dominar o movimento (...) impõe-se a dissolução, com eleições tendo por plataforma essencial a questão dos tabacos» (6).
NOTAS:
(1) No primeiro quartel do século XX, apesar da área cultivada não ter sofrido alterações significativas, registou-se um ligeiro aumento da produção de cereais. Contudo, dado o crescimento demográfico e o aumento da concentração populacional, sobretudo na cidade de Lisboa, esse aumento não se revelou suficiente.
(2) Relativamente às características da propriedade nacional, encontramos no Alentejo o predomínio do latifúndio, geralmente subaproveitado. No Norte domina a pequena propriedade que, devido à legislação do século XIX, sofreu um aumento do parcelamento que inviabilizava qualquer tentativa de reforma dos sistemas de produção, pelo que o baixo rendimento constituiu um forte estímulo à emigração. Numa e noutra região a ausência dos proprietários era uma constante.
(3) As propostas de Ezequiel de Campos, que no essencial já aparecem expressas no artigo «O Problema Português», no nº 1 da Seara Nova (15/X/21), seguem de perto as de Basílio Teles que, alguns anos antes, havia já proposto uma modificação da propriedade alentejana, substituindo o latifúndio pela propriedade reduzida com o triplo objectivo de fixar a população, intensificar a produção e criar uma burguesia rural com a consequente diminuição do operariado campesino.
(4) António José Telo (cf. «As Associações Patronais e o Fim da República», AAVV, O Fascismo em Portugal, Lisboa, A Regra do Jogo, 1982, pp.317-340.) refere que os anos de 1916-1917, devido à actividade comercial decorrente da guerra, conheceram o aparecimento de fortunas rápidas e de uma classe de novos ricos que vão engrossar as associações patronais que, ultrapassando as funções de esclarecimento aos sócios em questões legais ou técnicas, passam a ter um papel mais activo na vida política e legislativa do país. Por outro lado, a economia de guerra, que terá também aumentado a frequência de movimentos reivindicativos dos operários, conduziu a necessidade de união e organização dos interesses patronais. Contudo, só a partir de 1923, com o agravamento da política tributária que afectava sobretudo o sector comercial, é que o regime republicano é posto em causa.
(5) Em 30 de Abril de 1926, face ao termo da concessão do monopólio do fabrico dos tabacos, o governo propôs que a actividade fabril e comercial passasse a ser um serviço do Estado. Ainda que 70% dos capitais da Companhia dos Tabacos pertencesse a franceses, a questão acabou por ultrapassar os interesses nacionais privados e directos e generalizou-se dando origem a uma luta que congregou as forças da direita, pugnando pela defesa da livre iniciativa económica, e da esquerda que defendiam que o monopólio estatal contribuiria para aumentar ainda mais a corrupção na administração.
(6) Sottomayor Cardia (Org. de), Seara Nova-Antologia, vol. I: Pela Reforma da República 1921-1926, Lisboa, Seara Nova, 1971, p.221.
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