quinta-feira, 15 de abril de 2010

PORQUE VENCEU E PORQUE SE PERDEU A I REPÚBLICA - APRECIAÇÃO PESSOAL


Fernando Rosas brindou-nos com a sua presença plena de sabedoria empática , respeito pelo outro e afirmação da sua própria experiência, três ingredientes que nos fizeram crescer no dia 10 de Abril nos (Re) Encontros com a República, organizados pelo Centro de Formação Júlio Resende, no Auditório de Gondomar.

Segundo Fernando Rosas, a vitória da 1ª República deve ser analisada no contexto de modernização portuguesa e europeia que marca o final do século XIX, num plano político internacional caracterizado pelo sistema liberal oligárquico, subsidiário das revoluções liberais, que começa a entrar em crise, já que o quadro geral é de mudança.

A industrialização do século XIX leva o operariado às cidades que se constituem em massas reivindicativas sem direito a voto. Estes, em larga maioria muitos analfabetos, constituem as primeiras associações de classe e integram o recém-formado Partido Socialista.

Ao mesmo tempo a terciarização da vida urbana, com a criação de bancos, seguradoras, empresas de import-export, das novas indústrias de ponta: a construção civil, os transportes urbanos, os telefones, o telégrafo, a iluminação pública, o gás de cidade, dá origem a todo um conjunto de categorias sócio profissionais novas. Esta classe média urbana, onde aparecem a diversificar o tecido social, os engenheiros, arquitectos, médicos, empregados de escritório e amanuenses, mas também caixeiros, marçanos, moços de recados, pequenos funcionários e modestos empregados, vendedores ambulantes, sargentos e cabos das Forças Armadas que pouco se distinguem dos operários, requerem um novo estatuto político.

O rotativismo entre o partido regenerador e o progressista, com o rei a deter o poder moderador não responde às aspirações mais prementes desta massa social.

Em 1876, num jantar, constitui-se o Partido Republicano, que vem, depois, a formalizar-se em 1881, agregando um grande número deste bloco social de classe média e operariado descontente.
Com efeito, o sistema monárquico não responde a esta nova realidade, onde só votam os homens que sabem ler e escrever e os que pagam censo, logo, apenas, os proprietários.

Na verdade, o exército que se dispersa às primeiras horas da revolução é constituído por este grupo social, ao contrário da Marinha que é mais ilustrada e próxima dos ideais do operariado.

O Partido Republicano agrega diversas tendências - apresenta três vértices – a corrente legalista, reformista.; uma outra ala que apoia e organiza a Revolução – a Carbonária, ramo popular da Maçonaria, e esta mesma, uma associação discreta, formada por grupos mais ilustrados.

Efectivamente a Carbonária, fundada em 1895 é a ala plebeia da Maçonaria. Tem origem italiana, e chamam-se, uns aos outros “bons primos”; os irmãos eram os “rachadores” .

É a Carbonária que se impõe como organizadora da revolução.. Na Margem Sul, declarou-se a República logo no dia 4. Na cintura de Lisboa, a Carbonária toma o poder de véspera, sem nenhuma dificuldade. Em Lisboa é que há resistência, já que é onde está o rei e as Forças Armadas. É a esta organização que obriga o Partido Republicano a ir para a revolução! É a Carbonária que pressiona o directório.

A Carbonária alcançara, em Junho, o aval da direcção da Maçonaria, a qual nomeou, em meados do mês, uma comissão de resistência a que pertenciam José de Castro (grão-mestre-adjunto), Miguel Bombarda, Machado dos Santos, Francisco Grandela. Esta comissão agrega dois membros do directório: António José de Almeida e Cândido dos Reis. António Maria da Silva, mais tarde.
O directório do PRP deu luz verde à insurreição a 25 de Setembro, ficando Cândido dos Reis como comandante chefe da revolução.

No entanto, Miguel Bombarda foi assassinado fortuitamente a 3 de Outubro, o que desmobilizou a organização, já que estava tudo marcado para a madrugada do dia 4/5 de Outubro, quando fosse disparada uma salva dos cruzadores ancorados no Tejo.

Machado dos Santos sem saber de nada, vai de eléctrico, todo engalanado, continuar com o plano inicial: tomar a Infantaria 16 à uma da madrugada e dirigir-se para a Artilharia 1, juntando-se ao capitão Palla que, também dominava o quartel. Para aqui também se deslocou o capitão Sá Cardoso, às ordens de Cândido dos Reis.

Os dois capitães, pensando que os outros quartéis também estavam amotinados (Infantaria 2; Caçadores 2, Infantaria 5, Caçadores 5) organizaram duas colunas para tomar o Palácio das Necessidades, onde se encontrava o Rei e o Quartel do Carmo. No entanto, em breve, se dão conta que estão sozinhos e perseguidos por forças monárquicas. O plano fracassara no que respeita ao exército.

No entanto, tinham acontecido levantamentos no quartel de marinheiros e em dois cruzadores, o Adamastor e o São Rafael. Mas Cândido dos Reis não conseguira embarcar para bordo do D. Carlos, o navio-almirante, e desta forma não conseguiu dar o sinal combinado à hora marcada, 3 horas da madrugada. Convencido do fracasso da revolução, Cândido dos Reis suicida-se.

Mas, a resistência continua no quartel-general na redacção da Luta. Entretanto, as duas colunas de Palla e Sá Carneiro, impossibilitadas de avançar para os seus objectivos, convergem para o Rato e são forçadas a subir até à Rotunda, onde se encontra com a pequena força de Machado dos Santos.

Às 5 da madrugada está aí entrincheirado o que resta do exército insurrecto.

Quando chega a notícia do suicídio de Cândido dos Reis, Sá Cardoso convoca um Conselho de oficiais e retira-se, com a maioria. Fica, apenas, Machado dos Santos com alguns sargentos e cadetes. Na verdade, segundo Pulido Valente, só ele como membro da direcção da Carbonária teria noção da força dos seus efectivos. São estes membros que ao longo da manhã evitam o estrangulamento da insurreição e estabelecem as comunicações com o Quartel de Marinheiros e a Artilharia 1. Isto permite que ao longo do dia 4 civis e militares rebeldes, fundamentalmente soldados e militares de baixa patente ou alunos da escola do Exército dêem luta. Na tarde desse dia, as forças monárquicas a ocupar o Rossio hesitam antes de atacar a Rotunda. O fogo da Rotunda, cruzado com o da Artilharia 1 explica que tal ataque não tenha resultado. Depois de um reforço no quartel de munições, dirigindo-se ao Terreiro do Paço, ocupam posições nas costas do exército monárquico. A iminência de um desembarque em massa, inverteu as posições. O rei fugiu de Lisboa para Mafra e daqui para a Ericeira e depois para Gibraltar e Inglaterra.

Às 22 horas, o próprio navio D. Carlos cai nas mãos dos republicanos.

Ao longo da madrugada as forças monárquicas vão-se rendendo.

Às 8 da manhã, a população ao ver a bandeira branca hasteada no Rossio, interpreta mal o seu significado, crê consumada a capitulação monárquica e invade toda a baixa lisboeta, inviabilizando qualquer reacção. A artilharia monárquica mostrou-se inoperante. Apenas, Paiva Couceiro resistiu e procurou desalojar, em vão, os homens da Rotunda.

Na província, como previra João Chagas, a República, foi implantada por telégrafo. Não se registou resistência significativa.

Se a proclamação da República foi fácil, não o foi a democratização do sistema político, nem a resolução da questão social, o que levou ao descontentamento e ao descrédito da classe política, começando a vingar a crença que só um governo forte e monolítico salvaria a situação.
Efectivamente, a República comete quatro erros fatais:

1 – A questão política e institucional – reproduz as questões monárquicas; a não democratização do sistema político, a não criação do sufrágio universal, a mão concessão de voto aos analfabetos (com a justificação de que a ruralidade seria mais permeável ao caciquismo dos políticos); a não concessão do voto às mulheres, (com a justificação de que o mulherio seria mais permeável ao caciquismo dos padres).

2 – A Igreja era o esteio ideológico do antigo regime, mas a Lei da Separação da Igreja do Estado, sobretudo a expropriação exagerada e a intrusão nas nomeações dos cargos religiosos e publicações e a supressão de práticas populares vão ser uma grande machada de impopularidade, mobilizando o mundo rural contra a República.

3 – A traição das promessas feitas ao movimentos operário. Afonso Costa era conhecido como “racha-sindicalistas”. A regulamentação da Lei da greve que não permitia os piquetes e simultaneamente, permitia o lock-out. Por fim, a inauguração de alguns métodos repressivos, depois retomados pelo Estado Novo, como a perseguição e deportação de activistas sindicais; a supressão e jornais, enquanto a Lei das oito horas de trabalho; dos Seguros Sociais e dos Bairros operários não foram conseguidos.

4- A espantosa aventura da participação de Portugal na 1ª Grande Guerra que criou a impopularidade na população sujeita à incompreensão da necessidade da sua participação numa guerra que não era sua; a crise económica consequente, a fome e a doença.

No entanto, a 1ª República deixou uma esperança de liberdade e de modernização económica, social e das instituições. É evidente que uma esperança , em larga medida por cumprir. Deixou-nos a herança da Revolução Francesa, da igualdade, da fraternidade e da democracia. Estes valores republicanos foram restituídos pela Revolução do 25 de Abril, com um novo impulso e uma nova vida. Nesse sentido, a 1ªRepública é um começo com o qual temos de aprender.

No entanto, o momento que mais me marcou na conferência foi, sem dúvida, aquele em que o historiador faz a leitura da sua própria história pessoal, ouvida à mesa, contada pelo avô, que lhe falava das “formigas”, os conspiradores, designação que ele nem ousava perguntar o significado, ou então a sua participação, ainda no Liceu, na 1ª manifestação contra a ditadura, em que se gritava “viva a república!” É a” história ao vivo”, “que faz doer”, no dizer de Marc Ferro, agora já caldeada pelo tempo que lhe deu a dimensão de necessidade de resistir e arvorar os ideais democráticos!

Maria de Fátima Gomes

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